quinta-feira, 14 de junho de 2012

Reggio: Lá e de volta outra vez...



*Nayara Vicari de P. Baracho

Só ao entrar no trem em Bologna tive percepção de que era real: sim, eu estava indo para Reggio Emilia pela segunda vez. Era um sonho que se repetia.
                Desde a primeira vez em que tive contato com a abordagem de Reggio Emilia para a Educação Infantil, me identifiquei e me encantei com seus propósitos: era uma educação que não apenas declarava, mas acontecia tendo a criança como sujeito de direitos, participativa em seu processo de aprendizagem, competente e que é ouvida pelos adultos a sua volta. Foi o encontro de sentimentos e vivências de minha vida pessoal com a aspiração do que poderia fazer em minha vida profissional. A cada encontro, palestra, seminário com representantes de Reggio, me sentia revigorada e ainda mais disposta a entender as respostas que essa cidade encontrou para pensar a educação da infância. Porem, foi também enquanto ainda estava na graduação , que participei de discussões sobre a cultura brasileira de importar e valorizar modelos e propostas internacionais – sabemos que, infelizmente, não só na educação... Foi a partir de então que, além de um olhar admirado, passei a enxergar a abordagem de Reggio Emilia como inspiração, como ampliação de repertório para minhas práticas. Para mim, Reggio passou a ser não a resposta, mas a provocadora de perguntas.                                                                                          
                                                                                                               Reggio Emilia, em fevereiro/2011
                Foi com esse sentimento de provocação que participei do grupo de estudos de 2011. De que forma a política,  a participação, a questão ética, a estética, a formação dos professores, a voz das crianças, o ambiente como terceiro educador, o currículo flexível, enfim, como os principais pontos que ajudam a entendermos o trabalho realizado pelas escolas estariam relacionados com o meu fazer? Eu, pretensamente, já havia escolhido o caminho que para mim era o fio que ligava todos esses pontos: a documentação. Era a partir dela que estava estudando e buscando compreender a expressão de todos os princípios da abordagem. E     estava certa de que, durante a semana, ela seria meu grande foco.
                Porém, como normalmente acontece no cotidiano da educação infantil, meus planos precisaram ser alterados pela realidade que encontrei... Eu estava encantada. A cidade, as pessoas, as escolas, a experiência de estar vivendo tudo o que tantas vezes idealizei durante leituras e encontros me fez querer abraçar tudo aquilo da maneira que pudesse. E eram tantas novidades e descobertas que entendi que não adiantava tentar olhar para a documentação, dentro dessa proposta, sem também olhar o contexto em que estava inserida.
                Após minha volta, retomei meu olhar para a documentação, buscando entendê-la enquanto prática relacionada a formação de professores, a concepção de infância, ao envolvimento e diálogo entre os principais sujeitos do processo educativo (crianças, pais e educadores). A proposta de documentação dentro da abordagem de Reggio é uma possibilidade de crescimento inspiradora para qualquer contexto educacional, porque parte do que está disponível em todos eles: as crianças. Há, atualmente, estudos e ressignificações de práticas de documentação em diferentes países, como Escócia, Portugal e países da América Latina. Acredito que essa difusão foi possível pela plasticidade da documentação, pois, para que aconteça, não são necessários investimentos ou mudanças significativas no ambiente, mas, sim, a mobilização e vontade dos profissionais envolvidos com as crianças na escola para a realização de pesquisas sobre as questões de desenvolvimento e ensino e aprendizagem na primeira infância. Não há roteiros ou padrões a serem seguidos, formas certas ou erradas de fazer, necessidade de material específico.
                                                                                                                       Reggio Emilia, em maio/2012
             Assim, nessa segunda viagem, tentei não criar expectativas e estar preparada para novas vivências e descobertas. Olhar e ouvir novamente sabendo que eu não era mais a mesma pessoa que havia estado lá ano passado – e, por isso, nada seria igual. Era o novo, de novo. E isso possibilitou um olhar mais tranquilo e objetivo. Nessa segunda viagem, especialmente durante as visitas, pude estar mais atenta a documentação e seu significado enquanto um processo amplo com o intuito de tornar visível o trabalho pedagógico e a aprendizagem das crianças, buscando conferir sentido à prática vivida no dia a dia das escolas. Consegui, enfim, estar atenta ao que me propus na primeira viagem, pois já havia tido a oportunidade de encontrar, pensar, repensar e refletir. Pude aprender muito, de novo. Volto de Reggio acreditando cada vez mais na documentação como instrumento de pesquisa e transformador de práticas, que auxilia educadores e famílias no entendimento da criança enquanto sujeito do presente, com potencialidades e direitos, por meio da visibilidade de seus processos de aprendizagem. Como instrumento que pode ser utilizado por todo contexto que sinta necessidade de movimentar-se na construção de práticas democráticas para a infância. Essa jornada é fácil? Com certeza, não... Mas, com a inspiração de Reggio, já demos nosso primeiro passo. O numero crescente de brasileiros, ano a ano, no grupo de estudos, é um sinal de que podemos percorrer juntos essa caminhada!


*Pedagoga e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de Sao Paulo com a dissertação “A documentação na abordagem de Reggio Emilia para a Educação Infantil e suas contribuições para as práticas pedagógicas: um olhar e as possibilidades em um contexto brasileiro”.